ENGANADOS

NA ESTUFA

TERCEIRA EDIÇÃO 2021 

Contra as falsas soluções
para a mudança climática 

Geoengenharia

A Geoengenharia se refere a uma série de tecnologias propostas para intervir e alterar sistemas terrestres propositalmente e em escala macro. Numa tentativa desesperada e potencialmente catastrófica de desfazer alguns dos efeitos da mudança climática, a geoengenharia busca mudar a maneira como o planeta funciona. Para fazê-lo, remendos técnicos seriam empregados em escala maciça. Quaisquer impactos que venham a surgir, agora ou no futuro, não podem ser previstos ou testados de modo confiável. A única maneira de descobrir o que acontecerá é a testagem em escala, a cuja altura talvez já seja tarde demais para voltar atrás. 

Quem Está por Trás da Geoengenharia? 

A maior impulsionadora da crise climática é a indústria dos combustíveis fósseis – as grandes empresas de petróleo, carvão e gás. Esse é o mesmo grupo de setores que há décadas financia a negação da mudança climática e combate toda e qualquer tentativa de limitar a poluição. A indústria dos combustíveis fósseis está entre os maiores financiadores da geoengenharia. Aos olhos das grandes petroleiras, a geoengenharia aparenta ser um jeito de seguir lucrando ao mesmo tempo parecendo lidar com a devastação climática que elas próprias causaram. Alguns dos homens mais ricos da Terra, entre eles Bill Gates e Jeff Bezos, estão financiando a geoengenharia. 

Nós já refletimos o suficiente sobre os impactos de espelhos espaciais?

Alguns esquemas propostos: 

 Captura e Armazenamento de Carbono (CAC) 

A CAC visa estender a extração e consumo de combustíveis fósseis, armazenando emissões de carbono no subsolo. Não há certeza alguma de que elas permaneceriam lá (ver Captura de Carbono). Uma variante disto é a captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS  Carbon capture, utilization and storage), na qual o dióxido de carbono (CO2) é capturado para servir de insumo para processos industriais. As emissões passariam a fazer parte dos produtos e acabariam sendo liberadas quando os produtos fossem incinerados ou se decompusessem. A CCUS tem ganhado bastante terreno em legislações energéticas recentes.  

 Fertilização Oceânica com Ferro  

Isto significa lançar partículas de ferro em grandes extensões do oceano para encorajar o florescimento de plâncton, o que supostamente faz aumentar a quantidade de CO2 absorvida pelos oceanos. Corre-se o risco de causar florações algais daninhas, o que poria em perigo a saúde humana e de animais marinhos, bem como impactar negativamente a pesca. 

 Gestão de Radiação Solar (SRM – Solar radiation management) 

Técnicas de SRM são tentativas de refletir a luz solar de volta para o espaço. Existe uma série de propostas, incluindo: instalar espelhos na órbita da Terra; injetar sulfatos na estratosfera; e modificar nuvens, plantas ou gelo para fazê-los refletir a luz solar para longe da Terra. Alguns desses conceitos estão ganhando terreno em conversas voltadas ao tema do clima bancadas pelo setor empresarial e estão se aproximando de virar experiências no mundo real. Uma vez iniciada a SRM, cessá-la poderia levar a um choque, ocasionando uma rápida elevação de temperaturas a patamares ainda mais altos que se nada tivesse sido feito. A SRM não reduz os níveis de gases do efeito estufa, apenas mascara temporariamente o seu efeito. 

Eis uma breve olhada a algumas propostas de SRM:  

 Injeção de Aerossol Estratosférico (SAI – Stratospheric aerosol injection) 

A SAI se baseia em atirar partículas de dióxido de enxofre, ou outros materiais, na estratosfera usando aviões a jato movidos a combustíveis fósseis, para imitar os efeitos de uma erupção vulcânica.

Bill Gates gostaria de “clarear” o teu dia – não consensualmente

Microbolhas, Microesferas, Espuma Marinha & Outros Materiais que Alteram o Albedo  

Propositores desta abordagem querem espalhar bolhas, esferas ou espuma sobre corpos de água e/ou gelo (no Ártico, por exemplo) para branquear a superfície, assim aumentando o albedo (reflexividade). Dependendo do material usado, essas práticas podem ter efeitos de poluição química no mar. Elas também poderão ter impactos destrutivos sobre a subsistência e os modos de vida de comunidades Indígenas do Ártico. Além de não lidar com as causas reais da perturbação climática, lançar tais materiais nos oceanos e outros corpos de água pode prejudicar a luz necessária para a vida nos oceanos e reduzir a quantidade de oxigênio em suas camadas superiores, afetando negativamente a biodiversidade. 

Com a geoengenharia, podemos fazer chover quando quisermos

Clareamento de Nuvens Marinhas (MCB – Marine cloud brightening) 

Nesta técnica, nuvens seriam pulverizadas com água salgada ou bactérias para aumentar o volume de vapor d’água, o que as tornaria mais brancas para que refletissem mais a radiação solar, para longe dos oceanos e da terra. Isto poderia resultar numa redução da precipitação em algumas partes do mundo (Amazônia) e num aumento do escoamento superficial do solo em outras (trópicos). No geral, a precipitação provavelmente se reduzirá, o que leva à pergunta: Quem decide quem ficará com as secas e quem ficará com as enchentes? Ademais, permanecem sem respostas várias perguntas sobre como mudanças meteorológicas adicionais exacerbariam conflitos num mundo em que a mudança climática já está dificultando a agricultura. Como todas as técnicas de SRM, a MCB nada faz para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, promover a transição para a democracia energética ou enfrentar as raízes do problema da mudança climática. 

 Escanteando os Direitos Humanos 

A SRM é incapaz de honrar o direito a Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) de todos que podem ser atingidos, como consagrado na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (DNUDPI) e amplamente apoiado por outras comunidades vulneráveis, incluindo camponeses, Pequenos Estados Insulares e comunidades da linha de frente no Norte e Sul global. Isso porque toda comunidade, toda pessoa seria impactada pela SRM. A enorme escala e natureza transfronteiriça da SRM tornam o CLPI impossível e a governança inviável. E devido ao fato de que alguns países, como os Estados Unidos, podem optar por avançar sozinhos com projetos de geoengenharia que afetariam o planeta inteiro, a geoengenharia é inerentemente antidemocrática e incontrolável. Por esses esquemas precisarem ser mantidos por períodos extremamente longos, com consequências que poderiam se manifestar ao longo de gerações, essas propostas presumem que as estruturas governamentais e econômicas existentes se manterão estáveis nos próximos 100 anos ou mais. Esta é uma suposição enorme, perigosa e francamente absurda. 

“Aquilo não e a Terra... É o big business transformando o planeta em máquina para mascarar os efeitos de sua poluição!”

Comunidades na Linha de Frente Carregam o Fardo 

A suposição por trás das técnicas de SRM é que não podemos ou não vamos reduzir as emissões de gases do efeito estufa e pôr fim às injustiças ambientais que elas causam – da extração de combustíveis fósseis às termelétricas a carvão ou gás, refinarias, oleodutos, gasodutos, mineração a céu aberto etc. Promotores da  geoengenharia argumentam que estão se preparando para o pior cenário. Mas comunidades na linha de frente pelo mundo afora já estão no pior cenário, onde a indústria e o capital são mais importantes que o direito a ar limpo, água limpa, solos saudáveis, direitos humanos e justiça.  

 Promovendo Soluções Reais ou Preservando o Status Quo?  

Geoengenheiros alegam crer piamente na mudança climática, mas parecem mais preocupados em preservar o status quo e criar novos mercados para suas tecnologias que em promover soluções reais. O tempo, dinheiro, energia e vontade política gastos na promoção de experimentos perigosos e especulativos de geoengenharia são recursos que seriam mais bem usados numa transição justa para uma democracia energética, uma economia regenerativa viva e uma forte ação comunitária.  

 Nós sabemos o que precisamos fazer para enfrentar a crise climática. Precisamos de: uma transição justa rumo a uma economia regenerativa e saudável, baseada em energia sustentável e renovável; agroecologia; lixo zero; a proteção de ecossistemas; soberania Indígena; direitos humanos; equidade social; e que os combustíveis fósseis fiquem embaixo da terra. A crise e a urgência são reais, mas a urgência não justifica falsos mecanismos como geoengenharia. Não temos tempo ou recursos a perder com distrações mortíferas! Isto se aplica a todas as falsas soluções neste livreto, mas no caso da geoengenharia existe o risco adicional de que a experimentação inconsequente tenha resultados não intencionais, porém horripilantes. 

 Os promotores da geoengenharia estão tentando impor experiências perigosas a comunidades de todo o mundo. Por exemplo, Povos Indígenas no Alasca estão sob a ameaça de uma experiência em suas terras que cobriria o gelo marinho com microbolhas de vidro para desviar a luz solar, como parte do Arctic Ice Project.1 De modo similar, pescadores no Chile souberam que as águas de que dependem estão ameaçadas por planos da empresa Oceaneos Environmental Solutions Inc. para uma experiência de fertilização com ferro que supostamente estimulará o crescimento de fitoplâncton para sequestrar CO2.2 Pouco se sabe sobre os impactos ecológicos destes tipos de experiência, que podem vir a ter conseqüências muito negativas no longo prazo.  

 A geoengenharia representa uma ameaça potencialmente catastrófica para os direitos humanos e o meio ambiente, e que no entanto nada faz para lidar com as causas profundas da mudança climática. Neste sentido, ela talvez seja a mais falsa entre as falsas soluções. 

ETC Group: etcgroup.org

Geoengineering Monitor: geoengineeringmonitor.org

Indigenous Environmental Network: ienearth.org