A energia renovável pode fazer parte de soluções reais
para a mudança climática, mas há uma série de ressalvas. No espírito da maquiagem verde, muitas coisas podem ser rotuladas como energia renovável, mas na verdade são falsas soluções. Muitas das fontes de energia discutidas neste relatório às vezes são consideradas energia renovável, mas podem exacerbar a mudança climática e causar grandes danos ao meio ambiente e a comunidades, incluindo: biomassa, biocombustíveis, incineração, gás de aterro sanitário, hidrogênio, “gás natural renovável” ou digestores de metano na agricultura industrial, energia nuclear e energia hidrelétrica empresarial. Energia eólica e solar podem ser fontes genuinamente renováveis de energia. Contudo, fatores como os limites da Terra, distância, economia e justiça social todos desempenham papeis em se determinar se essas fontes de energia são verdadeiramente renováveis ou sustentáveis.
Terra, Limites e Recursos
Energia solar e eólica são maneiras de gerar eletricidade, e a energia solar também pode oferecer aquecimento. Contudo, gerar eletricidade para prédios, para cozinhar, aquecer água e para transportes exigiria um volume muito maior de geração de eletricidade com base em fontes renováveis. Isto é problemático e traz à tona questões sobre de onde virão os materiais, como e onde eles serão minerados e transportados, onde serão postos e quem são seus donos.
As energias eólica e solar podem permitir que futuras gerações desfrutem de conveniências que nós damos de barato...
...mas para isso acontecer num contexto de justiça, sustentabilidade e proteção ambiental, os países desenvolvidos em demasia devem fazer uma dieta energética.
Os limites ecológicos da Terra devem ser aceitos. As turbinas eólicas afetam o vôo dos pássaros e requerem grandes quantidades de aço e cimento. A maior parte delas usa neodímio, um metal terra-rara minerado em condições altamente poluentes. Painéis solares e baterias também usam metais como lítio e cobalto que podem ser extraídos sob condições horrivelmente exploratórias.1, 2 Quando Elon Musk, CEO da Tesla Motors, foi questionado sobre se a necessidade de baterias para seus carros elétricos podia ter tido a ver com o golpe de 2019 na Bolívia (país com uma das maiores minas de lítio), ele tuitou: “Nós golpearemos quem quisermos. Acostumem-se.”3
Abundam propostas por todo o mundo para estimular a economia e resolver os problemas ambientais causados por carros movidos a combustíveis fósseis, convertendo-se a frota para veículos 100% elétricos. Isto certamente geraria muitos empregos, e as baterias ajudariam a armazenar a energia produzida por fontes renováveis, mas fabricar novos carros e caminhões requer muitos materiais, o que leva à pergunta: de onde virão esses materiais e a que custos sociais e ecológicos?
Além das preocupações relativas ao fornecimento de materiais para painéis solares, turbinas eólicas e baterias, a instalação de um parque gerador de energia renovável requer muita energia como insumo. Portanto, energia extra é necessária para uma grande expansão da capacidade de geração de energia renovável, e virá em grande medida da queima de combustíveis fósseis. Para evitar o uso de mais combustíveis fósseis, os países de alto consumo precisariam reduzir sua demanda energética atual e usar menos energia. Priorizar o fim do uso futuro de combustíveis fósseis é de importância crucial num mundo em aquecimento (ver Bioenergia).
Redes, Espaço, Tempo e Distância
Fornecer energia conforme a demanda continua sendo um dos maiores desafios da energia renovável. Energia eólica e solar são intermitentes, então se mantivermos o padrão atual – que cada watt de potência desejado deve ser entregue instantaneamente a qualquer custo – um aumento na armazenagem de energia seria necessário. Ademais, a infraestrutura necessária para gerar energia renovável em grande escala é problemática. Existem planos de se gerar grandes quantidades de eletricidade em desertos do norte da África e do sudoeste dos Estados Unidos, e depois levá-la à Europa, atravessando o Mar Mediterrâneo, ou aos centros urbanos do leste dos Estados Unidos. Tais projetos levariam a perdas por ineficiência ao longo do trajeto, e a injustiças ambientais num lugar para se ter um benefício noutro, longe dali.
Economia, Escala e Compensações
Idealmente, o desenvolvimento de novas fontes solares e eólicas de energia seria planejado e conduzido pelas e para as comunidades. Frequentemente esses programas são construídos em grande escala para justificar o modelo empresarial, impactando a terra, as comunidades e ecologia locais. A resistência a propostas de centrais eólicas ou solares de grande escala se baseia na imposição de fora para dentro por grandes empresas de mudanças que beneficiam concessionárias do setor elétrico e seus acionistas, e não a comunidade atingida. Semelhantemente, o modelo atual em que grandes concessionárias têm locais enormes e centralizados de geração a partir dos quais distribuem energia para pessoas espalhadas numa grande área é desempoderador, já que os usuários ficam dependentes de concessionárias empresariais.
Além disso, desde os Créditos de Energia Renovável (RECs – Renewable Energy Credits) estadunidenses, até as compensações de carbono do Artigo 6 do Acordo de Paris apoiado pela ONU, e as compensações da tarifa elétrica da Shell no Reino Unido, Holanda e Austrália, pelo mundo afora a energia renovável é vendida na forma de compensações que permitem empresas poluidoras a alegar que têm emissão líquida zero ou neutralidade de carbono (ver Precificação de Carbono). Centrais eólicas de grande porte que deslocaram populações no estado indiano de Maharashtra há anos vendem créditos para poluidores do Norte global por intermédio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM) apoiado pela ONU.4
Desigualdade Energética e Justiça Social
Por último, e da maior importância: uma parcela significativa da população humana atualmente não tem acesso a eletricidade, água limpa e comida suficiente. Priorizamos demandas simples de justiça social ao levar energia renovável às pessoas que mais precisam de recursos energéticos básicos.
Além de aceitar os limites, precisamos abordar cada projeto criticamente e fazer perguntas importantes: Ele foi apoiado pelas pessoas que serão mais afetadas em âmbito local? Ele atende a necessidades locais? Que implicações o fornecimento de componentes teria para outros lugares? Quanto tempo vai durar? Como pode ser feita a reciclagem ou descarte seguro de suas peças? As chaves para um futuro sustentável são a relocalização e a descolonização. Uma região que pode fornecer a maior parte de seus alimentos e outras necessidades é mais segura que uma que depende de cadeias de fornecimento compridas. As energias eólica e solar podem permitir que futuras gerações desfrutem de conveniências que nós damos de barato, mas para isso acontecer num contexto de justiça, sustentabilidade e proteção ambiental, os países desenvolvidos em demasia devem fazer uma dieta energética.