Rios funcionais são essenciais para todas as formas de vida.
Gerar eletricidade alterando sistemas fluviais perturba a ecologia, causa dano a comunidades e é financeiramente inconsistente. Megabarragens, grandes barragens, pequenas barragens, hidrelétricas de fio d’água e reversíveis, todas impactam negativamente as condições físicas e ecológicas dos sistemas fluviais.1, 2 Represas hidrelétricas e seus reservatórios expulsam gente de suas terras e solapam a sobrevivência de pessoas que dependem de sistemas fluviais funcionais para caçar, pescar e coletar alimentos silvestres. Comunidades Indígenas e marginalizadas geralmente são as mais atingidas. Sistemas hidrelétricos já desalojaram entre 40 e 80 milhões de pessoas e, estima-se, cerca de 472 milhões de pessoas rio abaixo foram impactadas.3, 4 O desenvolvimento da energia hidrelétrica frequentemente viola a soberania Indígena e ocorre sem o consentimento de povos com direitos ancestrais às terras e águas.
Represas hidrelétricas manipulam artificialmente o fluxo sazonal dos rios, causando a poluição da água e perturbando o fornecimento de água potável. Quando água é armazenada em reservatórios atrás de barragens, sua temperatura sobe. Quando liberada, interfere no funcionamento ecológico rio abaixo, e aquece a água do mar. Barragens frequentemente bloqueiam ou dificultam a migração de peixes, impactando sua capacidade de se locomover de áreas de desova para áreas de alimentação e vice versa. Em âmbito global, em menos de 50 anos houve um declínio médio de 76% nas populações monitoradas de peixes migratórios de água doce.5
Hidrelétricas e seus reservatórios são uma grande fonte de emissões de gases do efeito estufa.6 As emissões de usinas individuais podem exceder as de combustíveis fósseis.7 79% das emissões de reservatórios de hidrelétricas são de metano, um gás do efeito estufa 86 vezes mais potente que o dióxido de carbono na aceleração da mudança climática ao longo de uma ou duas décadas.8, 9 O metano de reservatórios de hidrelétricas é responsável por mais de 4% de toda a mudança climática causada por humanos. Na primeira década após sua construção, um sistema de geração hidrelétrico pode contribuir para mais emissões de gases do efeito estufa que a queima de carvão mineral. Isso se dá pela contínua liberação de metano resultante do de micróbios se alimentarem da vegetação alagada.10 Ou seja, novos projetos hidrelétricos causarão um aumento acentuado de emissões de gases do efeito estufa hoje, isto é, justamente quando tentamos frear a crise climática. Os rios também desempenham um papel importante na moderação do clima.11, 12
Barragens de hidrelétricas estimulam a produção da toxina bioacumulativa metilmercúrio ao lançar o mercúrio da vegetação e solos na água, onde ele adentra a cadeia alimentar. Pessoas que consomem alimentos oriundos desses sistemas fluviais são expostas ao metilmercúrio. 90% dos projetos hidrelétricos novos e propostos no Canadá exporão ao metilmercúrio comunidades Indígenas que dependem de alimentos de origem selvagem.13
A energia hidrelétrica compõe dois terços da energia supostamente renovável do mundo. A energia hidrelétrica não é renovável simplesmente porque a precipitação necessária para fazer girar as turbinas cai do céu. Apenas um terço dos 177 rios mais longos do mundo permanecem correndo livremente, e somente 21 rios de mais de mil quilômetros de comprimento mantém uma conexão direta como o mar.99
Pelo menos 3700 novas instalações hidrelétricas (de mais de 1 megawatt) estão sendo planejadas o construídas pelo mundo.14 Estima-se que produção elétrica desta fonte crescerá entre 45% e 70% até 2040.151 Novas hidrelétricas trarão benefícios praticamente nulos na transição para a neutralidade climática na União Europeia16
Grandes projetos hidrelétricos fracassam em termos de expandir acesso à energia para os pobres. Eles frequentemente são construídos para atender às demandas de projetos industriais e de mineração, apesar das alegações de que a energia é voltada a comunidades desfavorecidas. Na média, a construção de represas de grande porte estoura o orçamento 96% das vezes e o prazo 44% das vezes.17
Pelo mundo afora, projetos hidrelétricos são categorizados como energia renovável e, como tal, são considerados adequados a serem usados para gerar compensações de carbono. Inclusive, compensações de energia hidrelétrica atualmente correspondem a 26% de todos os projetos registrados no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM), apoiado pela ONU. Além disso, créditos vinculados a compensações são vendidos em programas nacionais, subnacionais e voluntários de precificação de carbono em todo o mundo.18 Frequentemente, esses créditos são vendidos à indústria de combustíveis fósseis para fundamentar suas alegações de neutralidade de carbono e emissão líquida zero, causando danos tanto aos rios e pessoas que vivem perto dos projetos hidrelétricos, quanto àquelas que vivem perto dos pontos de extração e combustão dos combustíveis fósseis. O financiamento de cunho climático para grandes projetos hidrelétricos cria a ilusão de ação climática em detrimento de soluções reais.19
Barragens antigas, que já excederam ou em breve excederão sua vida útil, estão se deparando com eventos meteorológicos extremos, cada vez mais intensos e imprevisíveis, que ameaçam tanto sua integridade estrutural quanto aberturas repentinas e incontroláveis de suas comportas, inundando comunidades atingidas rio abaixo.20
Rios e ecossistemas de água doce devem ser protegidos, e nossa relação com a água, respeitada. Precisamos trabalhar com vistas a libertar os rios e não construir mais barragens em nome da crise climática fabricada pelo homem. Existe um crescente movimento para garantir direitos jurídicos para os rios, com esforços exitosos na Nova Zelândia e em comunidades canadenses como o Conselho Innu de Ekuanitshit e o Condado de Minganie. Essas últimas adotaram resoluções parecidas, concedendo ao Muteshekau-shipu nove direitos jurídicos, incluindo o direito de correr, de manter sua biodiversidade e de agir judicialmente. Nesta visão, o rio é inseparável de seu povo: “Eu sou o rio e o rio sou eu”.21
Movimento dos Atingidos por Barragens (Brasil): mab.org.br
Movimiento Mexicano de Afectados por las Presas y en Defensa de los Ríos: mapder.lunasexta.org
North American Megadam Resistance Alliance: northeastmegadamresistance.org